Consultamos dois especialistas: o cientista político e professor do Departamento de Sociologia e Política da PUC-Rio Ricardo Ismael e o professor do curso de Comunicação Social, da mesma universidade, José Eudes Araújo Alencar. Por ser um assunto controverso, as opiniões dos consultados foram opostas, mas essa diversidade na análise possibilita o leitor a responder a pergunta baseado não apenas na visão dos especialistas, mas na sua própria após conhecê-las.
Segundo José Eudes, a cobertura foi tendenciosa e favorável ao candidato José Serra (PSDB), principalmente nos jornais O Globo (RJ), Estado de São Paulo e Folha de São Paulo e nas revistas Época e Veja. Já Ricardo Ismael tem uma opinião diferente e afirma que a hipótese de que a imprensa apoiou Serra é totalmente falsa, e que alguns jornais do Sudeste o fizeram, mas não caracteriza a todalidade. Além disso, Ismael diverge de Eudes sobre o jornal Folha de São Paulo, já que em sua opinião o jornal não apoiou nenhum dos candidatos. O cientista político também atenta para o fato de que a maioria votante da população não lê os jornais citados, mas sim versões mais populares, como Extra (RJ) e O Dia (RJ), e que aliás O Dia apoiou Dilma Roussef (PT) acintosamente. Lembra também que em estados como Pernambuco, o acesso a jornais do sudeste é menor e os locais, Jornal do Comércio e Diário de Pernambuco, apoiaram a candidata petista.
No Brasil, apenas dois veículos de grande porte declararam apoio a um candidato em seus editoriais, o Estadão e a revista Carta Capital, apoiando Serra e Dilma respectivamente. Essa decisão é uma tradição norte americana, mantida por diversas revistas e jornais, como o NY Times. Os professores concordam que essa atitude é válida, e Eudes reitera que a opinião do veículo (editoriais, colunas e artigos) pode ser explícita, mas não deve afetar a cobertura do noticiário. Ismael adiciona que tal apoio não é obrigatório, até porque o Conselho Editorial do jornal ou revista pode ter opiniões contrárias e cita o caso da Folha que não deseja apoiar ninguém para resguardar sua independência no futuro governo, ou seja, criticar quem quer que seja eleito.
Na opinião de Eudes, não existe a neutralidade, mas o jornalista deve sempre seguir a honestidade. E honestidade, em sua visão, é apurar os fatos com seriedade, apuração bem feita, ouvindo as várias partes envolvidas e pessoas que possam fornecer informações para resolver questões da matéria que o jornalista não domina. Ainda segundo Eudes, o tripé de sustentação do bom jornalista está baseado em serviços, opinião e informação. Ao explicitar o porquê acha que os veículos fizeram oposição a Dilma, ele acredita que há um receio desses meios de comunicação que o próximo governo tente, de alguma maneira, modificar os marcos regulatórios sobre a propriedade dos veículos, principalmente de televisão e rádio, as concessões de serviço público. Compara esse receio com o que houve na Argentina quando o governo aprovou a Lei de los médios, a lei dos meios de comunicação, que define, por exemplo, que uma emissora não pode ter rádio, televisão, jornal, internet e TV a cabo no mesmo lugar, como é o caso da Globo, e outros, no Brasil que detêm um oligopólio gigante.
Ao comentarem sobre a perda, ou não, de credibilidade da imprensa brasileira nessas eleições, os especialistas divergiram novamente. Ismael chamou atenção para o cuidado que deve ser tomado ao definir que imprensa seria essa, e completou afirmando que a maioria dos eleitores votou, nos vários candidatos, sem ler os principais jornais, o que continua acontecendo. Já Eudes afirma que sim, a imprensa perdeu a credibilidade, e que seu maior erro foi confundir informação com opinião. Mas reiterou que isso não ocorreu apenas nesse pleito, mas vêm ocorrendo a décadas.
As eleições já passaram, mas a reflexão permanece para nas próximas o leitor eleitor analisar, por si só, se houve uma mudança ou o sistema permaneceu o mesmo. Apesar das visões diferentes dos estudiosos consultados, fica clara a necessidade de, acima de tudo, uma visão crítica da situação, não apenas baseada em o que um ou outro afirmou. Essa matéria não tem a intenção de instituir verdades universais, mas sim, colocar esse assunto, tão pouco discutido nos veículos de comunicação, em pauta e estimular o público a pesquisar e refletir sobre o assunto.